batom vermelho carmim
aveludado e vinho tinto
o mapa astral colocado ao lado do colar de sementes
em cima do móvel de madeira verde claro (ou era escuro?)
descascando
o livro do Balzac, da Ana Cristina César
minha primeira cópia de O Pequeno Príncipe com sua dedicatória
lembro da minha saia plissada
daquele dia que você me levou na visita guiada ao teatro municipal
em doses homeopáticas
ou até cirurgicamente calculadas pelos meus devaneios ansiosos
sinto no meio do peito e naquele nó que dá na garganta
suas moléculas gradativamente se dissipando
e se convertendo no corpo rígido da sua ausência
lembro daquela frase sobre se libertar da ilusão da sua própria importância no mundo
sigo tentando romper com minhas amarras ilusórias, mas da sua importância no meu mundo não escapo
da forma como você veio e me moldou para além do que posso conceber
seus poemas, os rascunhos no caderno
aquarelas do estudo de silhuetas e mãos
a bolsa cheia de revistas e livros
(muy pesada)
pendurada numa cadeira naquele à kilo perto da sua casa em
copacabana
suas reclamações sobre a textura do seu cabelo que
no pós quimio
se metamorfou do cacheado para o liso (e como você o detesta assim)
escrevo em sua homenagem
minha maior líder de torcida que me ensina
o poder do saber, das palavras e da determinação
escrevo também porque não quero esquecer
porque a passagem do tempo me assusta
e quero reconhecer que hoje carrego tudo aquilo
que vi você ser
que você me ensinou como valor
escrevo também porque meu luto não é tempestade
muito menos rio
é mar e chega em ondas
é um luto não só pela morte,
um luto por ver que o mundo é arrebatador em seguir
em frente
sem você
escrevo porque desejo registrar que
batalho para existir
e assumir a pele da mulher que sou
que traz na força da palavra
um pouco (ou um tanto até) da minha querida
tia
escrevo também para sempre lembrar dos lugares que você aposta
(e tem muita fé) que irei chegar
obrigada, tia