Era tudo que um homem buscava em uma esquina vazia. Como uma exemplar de tal espécie, sabia que aquilo era mais do que o esperado. Nunca vi uma criatura tão linda. De transbordar uma solidão pesada em seu olhar. Era evidente que ninguém a entendia, muito menos, faziam tal esforço.
Ela chamava suficientemente a minha atenção a ponto de cada vez mais, eu me distanciar dos barulhos do bar "mulher, mulher, futebol, futebol", e quando tínhamos sorte, ainda aparecia uma piada machista mais velha do que as guimbas de cigarro naquele chão.
Como um perdido iniciante, foi criando uma coragem impulsiva dentro de mim, e fui capaz de me aproximar da jovem e aos poucos, perceber as imperfeições mais deslumbrantes do Mundo.
"Oi". Foi o máximo que saiu de mim.
Distante de tudo e todos, ela se via alienada daqueles momentos terrenos. Ela se vira assustada, como se o meu chamado a fizesse acordar para a realidade ali existente. Não me enxerga no meio dos seus raciocínios fantásticos. Demora alguns segundos até reparar na minha presença. Mostra os dentes ainda tortos em um sorriso estampado a força no meio das poucas marcas em sua pele. Era linda.
"Oi". Pelo visto, foi o máximo que saiu dela também.
Besteira. A quem eu quero enganar? O que estava fazendo ali? Coisa de homem: se sentir implacável quando o assunto é mulher.
Respirei fundo e criei coragem para falar alguma coisa, nem que fosse oferecer uma cerveja a mais.
- Você aceita uma...
- Aí, me diz uma coisa?
- Ah, sim, qualquer coisa.
- Você escreve?
Congelei. O tempo deveria ter parado para mim. Como responder tal pergunta? Pensei que a maior parte das mulheres não procurassem isso em homem algum. Pelo menos, ela não era a maioria.
Tinha horas em que me sentia um verdadeiro viado com toda essa história de sentimento, me sentia muitas vezes culpado por amar. O que a levou fazer essa pergunta? Doeu em mim como uma facada no peito, talvez eu devesse essa dor ao desespero.
- Hein? Você escreve ou algo assim?
"Ou algo assim?"
- Er... Sim, gostaria de fazer disso profissão.
- Foi o que pensei.
Acende um cigarro. Não deveria. Apesar de extremamente estimulante para mim, ela deveria cultivar sua beleza.
- Você tem cara de ser poeta.
"Cara de ser". Decepcionante, quanto rótulo.
- Você tem cara de ser incompreendida.
Silêncio. Ela balbucia uma risada furtiva.
- Incrível seu poder de dedução. De fato, você é um poeta.
Quanta perseguição! O que ela queria com isso, afinal? Escrevo para passar o tempo, passar os sonhos adiante, escrevo para mim e para os outros também.
- Mas por que deseja saber?
- Haha, eu escrevo também. Aposto que não tão bem quanto você, mas eu tento.
Como ela pode saber disso?
- Duvido.
Ela me fita com os olhos grandes e castanhos. Estranha sensação de ser analisado como um paciente em estágio final de câncer.
- Eu gostaria de sair contigo.
- Comigo?
Nossa, isso foi imprevisível.
- Sim, haha. Você. Por que o espanto?
Por alguns segundos, pensei que ela fosse uma espécie de prostitua "barra" aspirante de escritora que por falta de opção vende seu corpo e chama homens complexados para sair. Meu Deus, estou delirando...Organizei os meus botões e rapidamente, com algum esforço, articulei algumas palavras.
- Isso foi meio aleatório, não?
Ela acha graça e ri como um ato ingênuo, instintivo e vulgar.
- Eu sei, não levo jeito para isso. Me desculpe.
Agora ela pede desculpas! Nem quinze minutos de conversa e estou beirando a loucura.
- Não, não precisa se desculpar.
- Tudo bem. Quero sua ajuda. Quero que me ensine a escrever.
Não se ensina alguém a ser escritor. A vida ensina dolorosamente essa arte. Nem de longe sou tão experiente quanto essa vida.
Ela insiste com os olhos determinadamente direcionados para os meus lábios. Será que era apenas a minha boca ou a barba que a escondia? Nunca vou saber.
Voltei para órbita da Terra e pude digerir o seu pedido de ajuda. Demorou, mas finalmente fez sentido. Eu mal sabia o seu nome, agora terei de ler os pensamentos mais íntimos dela. Que noite!
- Não posso recusar tal pedido, mas qual é o seu nome?
- Margarida.
Um nome tão inocente para uma mulher tão peculiar...
- Me chamo Rodrigo.
- Então, prazer, Rodrigo. Quando te vejo?
Loucura, estou sonhando.
- Eu te ligo.
"Eu te ligo" A frase fica martelando a minha cabeça até hoje.
Ela mais contente do que nunca, saca uma caneta do bolso do jeans perigosamente rasgado, pega o meu braço cabeludo e numa intimidade sem fim escreve com letras tortas, números ímpares e aparentemente mágicos para mim.
Tampa a caneta e me encara, como se eu fosse culpado por tudo aquilo.
Sorri.
- É mais difícil perder o braço.
O que temia já havia acontecido. Perdi a cabeça.
Caralho! Dessa vez eu tive que me render ao mais chulo dos vocábulos. Impressionante, sinceramente. Confesso que fui pego de surpresa. Tenho mais uma amizade contista de mão cheia para me gabar!
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